Armênia #9
Há também armênios em Los Angeles. Há armênios em São Paulo, em Osasco, no mundo inteiro.
A Isabela Thomé lançou em seu último textinho do Eu destruirei vocês duzentas e cinquenta ideias de textos para escrever, duzentos e cinquenta questionamentos, dentre eles, a pergunta duzentos e quatro (204), que diz: seu país do leste europeu favorito? Na verdade não foi uma pergunta, é mais uma temática para dissertar sobre, mas ela possui uma resposta, a Armênia.
Veja, esta é a bandeira da Armênia.
A vida pra mim é um grande e eterno justifique sua resposta, porque alguns aspectos são muitos chatos de se manter somente no sim ou no não. Não precisamos responder tudo, mas a Armênia eu considero pertinente.
Uma amiga em 2023 me recomendou uma disciplina optativa de literatura armênia para cursarmos juntos, e não satisfeito cometi a loucura de me matricular também em Língua Armênia I, sem nem saber onde ficava esse país, qual sua relevância pro mundo, eu nem sabia que eles tinham todo um outro alfabeto, trinta e nove caracteres distintos.
Veja, este é o alfabeto armênio.
Isso tudo para dizer que virei fã do System of a Down, a maior referência do mundo armênio-americano na cultura pop, e da Armenian Premier League: o campeonato armênio de futebol e seus afins. Da moral da história e do que aconteceu adiante, me tornei fã e escolhi meu time na Europa para torcer, o Noah, que surgiu em 2017 e pouco a pouco ascenderam à elite do futebol armênio; neste final de temporada eles conquistaram dois títulos, a Copa da Armênia e a Armenian Premier League, seu título local, este último, até então, inédito.
Impossível dissociar alguns aspectos de outros assuntos políticos. Antes do Noah ter esse nome, referência à figura bíblica de Noé, (aquele mesmo, o da Arca!), eles se chamavam Artsakh FC. Artsakh foi, por algum tempo, uma região no Azerbaijão habitada predominantemente por armênios, uma república independente. Pouco a pouco esse povo foi submetido às mais variadas formas de apagamento étnico, um amargo retorno às lembranças do genocídio armênio, que matou cerca de um milhão e meio de armênios no começo do século XX. Uma mesma história sempre que repetida quando se lida com Armênia, a do genocídio, mas isso foi o que os espalhou pelo mundo, a necessidade de fugir. Isso reduziu a Armênia à minúscula porção territorial que é hoje, sem contemplar o que um dia foi. O Ararat, a montanha da qual Noé teria supostamente pousado sua arca, fica hoje na Turquia, região à qual historicamente sempre foi da Armênia.
De todo modo, o futebol armênio existe faz pouquinho tempo. A Armênia, antes uma república soviética, possui alguns times que antes jogavam nesse tal campeonato soviético e hoje jogam o campeonato armênio. Em 1992 torna-se uma república independente, a URSS cai, etc. É fundada uma Federação Armênia de Futebol, e alguns times surgem e passam a disputar o campeonato: o Ararat Yerevan que domina logo de cara, embora ele tenha jogado na União Soviética muito antes, e até hoje é muito lembrado desses tempos, e o Pyunik, que nasce nesses dias e fica pra marcar história. Não cheguei a contabilizar, mas há um número expressivo de times armênios que fecharam suas portas de noventa e dois pra cá, pouquíssimos os que sobreviveram ao tempo.
Acontece que há muito pouco relatado publicamente sobre essa era pré Armênia independente no futebol, e ao menos eu nunca realizei essa reconstituição. Alguém talvez já, ou isso simplesmente nunca foi relevante pra ninguém, a Armênia é irrelevante pra muita gente, e nem tudo precisa ser relevante pra todo mundo, mas eles tem um charme especificamente especial. É impossível ignorar os armênios. Acredito que há muito no próprio alfabeto deles, talvez muita documentação antiga, mas mesmo eu não sou fluente em armênio, sei no máximo ler as letrinhas, os caracteres. Talvez haja muito em russo, e adivinhe? Russo eu não leio.
Do que sei, enfim, a respeito do futebol armênio, vem em grande contribuição a um projeto que eu mesmo desenvolvi, nessa paixão obsessiva de tentar catalogar e registrar os maiores campeões naquele formato de cinturão, onde você resgata as primeiras partidas dentro de um campeonato e, com dada metodologia, verifica até os dias atuais os portadores desse cinturão. Em termos práticos, é como voltar à primeira partida de futebol em solo brasileiro, realizada por times brasileiros, e verificarmos que o Criciúma hipoteticamente vence. Ele porta assim o cinturão pela primeira vez. Logo em seguida, empata para o Paysandu, mantém o cinturão. Depois ele perde para o Remo, assim o Remo assume. Nessa gracinha, nesse modelo, rastreei um pouco por cima os maiores portadores desse imaginário cinturão do futebol armênio, do qual o Pyunik é o maior campeão - não à toa, eles são dezesseis vezes (16x) campeões de sua liga nacional. Ainda sim, eles perderam de 3 a 2 para o Van um dia desses, e o cinturão está atualmente sob posse do Van. Van foi uma antiga capital na Armênia, de quando a Armênia não era Armênia, mas sim, Urartu. Urartu é, ainda por sua vez, outro time armênio. Quer dizer, muito além do futebol esses times revelam identidades históricas, não necessariamente explícitas, mas que estão aí, são a identidade do povo armênio.
Um mapa que fizeram sobre os times da Armênia na temporada de 2024/25. Repare como o Noah tinha um escudo esquisito. Eles reformularam-no e ficou bacana. Segue abaixo.
Diante de todo esse melodraminha, a conclusão a que cheguei é que o futebol armênio em si não é muito valorizado dentro do próprio país. Tomo por fonte e bebo das águas de um fórum no Reddit sobre futebol armênio que discute, prioritariamente, a seleção armênia de futebol, e os clubes armênios fora da Armênia, ou seja, em competições externas, as europeias, tal como eliminatórias da champions league, da europa league e da conference league, ou mesmo armênios de destaque no mundo do futebol. Contam que os armênios preferem torcer para times como Real Madrid ou Barcelona, o que é bem mais fácil, na verdade. Talvez exista um armênio obcecado pelo campeonato brasileiro, talvez ele torça para o Flamengo ou para o Cruzeiro.
O feito mais recente de um time armênio que agitou os ânimos de todo mundo foi a classificação do Noah para a fase da Conference League onde todos brigam por pontos numa tabela em busca da classificação para as oitavas, da qual fomos nós agraciados por uma partida contra o Chelsea. Lembra? Perdeu um mundial pro Corinthians, ganhou um mundial do Palmeiras. Perdemos de 8 a 0 pra eles. Perdemos, afinal de contas pro campeão da Conference League, eles ganharam um dia desses aí de 4 a 1 do Real Betis.
A Armênia é, então, meu país favorito do leste europeu.
Agora, para não dizerem que não comentei a respeito de nenhum dos jogos do São Paulo, seguem observações a respeito.
São Paulo 0 x 2 Mirassol
Uma derrota em casa. Tenso, não precisava.
São Paulo 2 x 1 Talleres
Até que tá bom né. É aquele aluno nerd que já não precisa de nota mas continua indo às aulas, bonzinho, comportado. Acontece que o São Paulo não é nem um nem outro, não sei efetivamente que fim teremos nas copas. Duas oitavas de finais ainda não definidas, e beleza, supõe que passamos, enfrentamos um time meio de tabela. Como lidaremos com as quartas? Uma semi? O Palmeiras e o Flamengo? Muitas perguntas, e como disse em outro contexto, algumas perguntas nós precisamos dormir sem resposta. Algumas nós nunca teremos resposta, outras, basta aguardar uns meses.
Pós-créditos
San Diego 2 x 1 LA Galaxy
Ei, este não é o São Paulo!
Não mesmo! É o Los Angeles Galaxy, time de paixão de Idoru! Acontece que o Galaxy vive uma crise. Umas quinze e tantas partidas sem vencer. Pelo que li, se a situação se mantiver, eles podem quebrar recordes na história da MLS.
Neste dia, que foi o vinte e quatro de maio deste mesmo ano de 2025, que até teve cara de feriado, mas era apenas um domingo nublado na cidade de São Bernardo do Campo, fomos à casa de Idoru, com fé no coração pra quebrar essa maldição, esse carma, azar, sei lá, algo muito ruim. Foi extremamente divertido, assistimos à partida, travando e voltando a transmissão, nós todos conversando, vibrando, o Thales sem voz, o Matto sentado bonzinho, Andréco e Bya e Lorenya e Marina conversando sempre alguma gracinha, e eu no meio de todo mundo, além dos outros, Idoru propriamente falando, e sua irmã. Buscamos apelar e pedir ajuda até pro Maradona.
O Galaxy fez gol, gritamos, realmente dependíamos disso. No literal minuto seguinte o San Diego marcou. No segundo tempo tomamos a virada. Crer para ver. As coisas vão melhorar, e será um alívio e tanto quando acontecer, tal como é como pegar uma gripe. É ruim quando dura, mas excelente quando você sente ela indo embora. Win.
que bonito teske!! eu adoro a sua história com a armênia, fico sempre feliz de saber mais detalhes sobre ela!! e vamos aproveitar o hiato do sao paulo logo mais eles voltam a empatar :3